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segunda-feira, 18 de junho de 2012

[Cinema em Casa] Drive

(Drive, Nicholas Wedding Refn, EUA, 2011)

Eu estava comentando outro dia no Facebook o quanto muitos dos filmes do cinemão hollywoodiano (mais especificamente os filmes de HQ) tem se tornado obras sem personalidade, burocráticas, destinadas a saciar uma vontade momentânea do expectador, totalmente despreocupadas em criar algo mais que a gente possa levar pra casa após a sessão.

Falei sobre isso quando comentei sobre Thor, depois em Capitão América, e, mais recentemente, em Os Vingadores.

E decepcionado com o rumo do cinemão hollywoodiano, eis que me deparo com este Drive, filme elogiadíssimo pela crítica, sendo um dos destaques do Festival de Cannes do ano passado e, claro, ignorado por completo no Oscar deste ano.

Dirigido por um dinamarquês, com pinta de filme dos anos 70 com trilha sonora com cara dos anos 80, Drive mostra a história de um motorista sem nome (Ryan Gosling) que já na sequência inicial mostra o que faz da vida: à noite ajuda assaltantes a fugirem do local do crime e durante o dia é dublê de filmes de ação de hollywood e nos intervalos entre um e outro trabalha em uma oficina mecânica que constrói os carros que serão destruídos depois nas proezas dos filmes americanos. E é nessas idas e vindas que ele se encanta com a sua vizinha (Carey Mulligan) cujo marido está preso. Quando este sai da cadeia e é pressionado por seus "companheiros" a pagar uma suposta dívida, o protagonista se prontifica a ajudá-lo apenas para ser envolvido em uma série de situações inusitadas que mudarão o rumo de todos os personagens.

Bom, não fica difícil pra mim decifrar porque o filme foi tão elogiado. De um clima melancólico, romântico e poético, ele vira uma caçada sem precedentes onde o motorista tão calado, de semblante triste, surpreende revelando uma tendência para surtos de violência que fariam o bom e velho Alex DeLarge (Laranja Mecânica) contorcer-se na poltrona. Não só isso, mas Refn equilibra momentos de tensão com outros incrivelmente calmos e revela uma genialidade ímpar em deter-se em planos em que os personagens apenas se olham, sem dizer qualquer palavra por longos segundos e ainda assim transbordarem uma infinidade de emoções.

E, quando resolve colocar algum diálogo, frequentemente o diretor encaixa alguma música que expresse o que os personagens estão sentindo naquele momento. Em último caso, os atores abrem a boca e quando o fazem, diálogos curtos e primorosos. Nada é perdido ou jogado de qualquer jeito aqui.

Repensando o filme hoje, dois dias depois de tê-lo visto, fico pensando "são coisas como essas que gosto de ver em filmes". Refn, ao contrário de tantos outros diretores que aportam em Hollywood e mamam nas tetas da grande indústria, está preocupado em criar aquele "algo mais" que falei logo acima. Ele desafia o expectador emocional e sensorialmente, seja nas cenas mais melancólicas e românticas, seja nas mais pesadas, onde a violência extrema toma conta.

E essa busca por envolver o expectador emocionalmente fica claro pra mim em sequências maravilhosas como a que o protagonista sai de carro com a vizinha e o filho e andam por um famoso córrego de Los Angeles até pararem em um cenário perfeito para um momento romântico ao som da música "A Real Hero". Nesse momento eu fui fisgado e pensei "o cinema é feito de coisas assim, que podem ou não ter a ver com a narrativa, mas acima de tudo, tem a ver com fazer VOCÊ, que está assistindo, sentir alguma coisa". E demonstrando mais uma vez uma genialidade rara nos dias de hoje, Refn sempre coloca a música certa no momento certo, como na cena supra citada e, ao final do filme, por meio da letra da música, entendemos um pouco mais quem é o anti-herói que acompanhamos nos 100 minutos de filme:

“Contra os obstáculos e as probabilidades
Com força de vontade e uma causa
Suas atividades são chamadas de excelentes
Você é emocionalmente complexo
[...]
Um piloto em uma manhã muito fria
Cento e 55 pessoas a bordo
Todas sãs e salvas
Do navio que afundava lentamente
[...]
Naquela situação sabia o que fazer
E você, já provou, ser um verdadeiro ser humano
E um verdadeiro herói”

Equilibrando leveza e crueza com as cenas de violência - como na impressionante sequência do elevador, que deveria fazer com que todo expectador deseje dar aquele beijo e toda expectadora recebê-lo e concluir com um espetáculo grotesco de crueldade - até o final triste, Drive acaba por obter do expectador emoções intensas, de amor ou de ódio profundo com aquilo que se está vendo. Da minha parte, é cortante perceber que assisti a um filme onde um cara por quem eu não dava nada, revelou ser alguém que ama intensamente e fará de tudo pra proteger aqueles que ama, TUDO mesmo, o que inclusive explica todas as suas decisões... É um personagem perdido na vida, mas que ao mesmo tempo passa tranquilidade e confiança, nunca demonstra desespero e mesmo de forma desorganizada parece ter tudo sobre controle. É calmo mas pode virar um homem extremamente violento. Tem jeito lento mas é o homem mais veloz por trás de um volante. É sério e anti-social, mas passa sensação de calma e conforto no seu sorriso leve e olhar tranquilo. Enfim, um verdadeiro ser humano (para o bem e para o mal)... e um verdadeiro herói.


Que os diretores de cinema que recebem milhões para torrarem em seus filmes burocráticos anotem a lição deixada por Refn neste filme e a ponham em prática. O cinema agradece. 

Reação minha ao subir os créditos...


5/5

(visto em BDRip e lamento ter perdido este no cinema onde a experiência deve ter sido ainda mais impactante)

E pra quem estiver curioso sobre a trilha do filme, segue o vídeo de A Real Hero:


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