"Um blog que discorre sobre cristianismo, apologética, cinema e outros assuntos desinteressantes..."



terça-feira, 29 de maio de 2012

Deixei de ser evangélico




Marcelo Lemos

Sem o menor sentimento de culpa admito que me tem sido coisa rara a afirmação "sou evangélico". Nem sempre foi assim. Houve tempos, já escondidos pela névoa do tempo, nos quais eu sentiria santo orgulho de tal identificação: que saudades! O tempo não para, dizia o poeta. E o tempo passou, sem muita poesia, assassinando poetas, e consagrando, quase sempre, gente cuja poesia maior é dedicada a ídolos. Nos esquecemos da primeira regra do Decálogo: adoramos personalidades, a nós mesmos, o sucesso, o dinheiro, o poder, os títulos eclesiásticos... Diante de Deus, nós, e nossos muitos deuses.

Recentemente questionaram qual minha opinão sobre o Padre Fábio de Melo, o cabeleira de gel, sem batina, que vive dizendo que tudo é "liiiiindo!", ter dito: "Eu também sou Evangélico!". Não deixa de ser uma declaração bonita e, quiçá, fruto de algum amadurecimento proporcionado em tempos pós Vaticano II. Tudo muito "liiiiiiindo!". Admitamos, por mais anti-catolicos sejamos, nada é tão prazeiroso que ouvir um padre reconhecendo que a salvação é por Graça, e que nossa missão principal é anunciar o Evangelho de Cristo. No entanto, creio que o padre precisa dar uma atualizada na cabeleira, já que a idéia que ele tem sobre o que é ser "evangélico" está defasada há, no mínimo, uma década e meia! Atualmente, ser evangélico pode significar qualquer coisa, o que nos leva a significado nenhum. Eis o grande mal dos evangélicos de nosso tempo: crise de identidade. A única coisa que o evangélico mediano parece saber sobre si mesmo, via de regra, inclui: que sua denominação é, em algum sentido, melhor; que ele é filho da promessa; que ele tem o selo da promessa, e que apesar de não ser dono do mundo, é filho do Dono! Não é "liiiiindo, minha gente"?

Assim, minha primeira razão para deixar de ser evangélico está no fato de que essa gente, os evangélicos, não sabe o que ser evangélico significa. Pergunte a maioria de seus amigos evangélicos: o que é o evangelicalismo? Qual sua origem? Quais seus postulados? Faça um teste, e comprove: quase absoluta ignorância. Somos uma geração que nada sabe sobre os Grandes Depertamentos, ou sobre nomes consagrados de nossa tradição evangélica, como Jonathan Edwards, John Wesley, Charles Finney, Dwigth L. Moody, etc. Nem mesmo o contemporâneo Billy Granham escapa imune a nossa ignorância crônica. Aliás, o Billy só volta ao imaginário dos "gospi" quando algum aloprado escatólogico faz malabarismo para associá-lo a sociedades secretas, e a complôs promotores do Anticristo... Em contrapartida, sabemos tudo sobre espiritos territóriais, ex-satanistas, ex-noivas-do-Capeta, símbolos satanistas ocultos, pregadores-sem-língua, maldições hereditárias, e, claro, campanhas de Sementes, com Bíblias superfaturadas.

Por falar em Bíblia, eis minha segunda razão para deixar de ser evangélico: somos um povo ignorante das Escrituras, e da Teologia! Não só isso, além de ignorantes, temos orgulho do fato! Dia após dia, cresce a idéia de que um cristianismo realmente bíblico, que segue o modelo da Igreja Primitiva, é um cristianismo anti-intelectual. Canonizamos a ignorãncia. Tal blasfêmia sempre esteve presente, com honrosas excessões, na religiosidade pentecostal (de onde eu venho), mas não é privilêgio apenas daquele grupo, infelizmente. Mas, como pentecostal de berço, vou me ater ao que diz respeito a minha experiência mais imediata. "Igreja do Senhor!" - esbraveja o falastrão: "eu tinha um sermão prontindo para vocês esta noite; porém, quando eu chegei neste lugar, o Espírito Santo mudou tudo – fez aquele rebuliço! Por isso, quero lhes dizer que tenho uma mensagem vinda diretamente do céu para vocês! Hoje, eu não quero nada com Teologia: Deus vai falar diretamente com você!”.

Só tem um nome para isso: apologia da burrice. Atitude que não encontra nenhum paralelo no exemplo deixado por Jesus Cristo: "E, começando por Moisés, e por todos os profetas, explicava-lhes o que deles se achava em todas as Escrituras” (Lucas 24.27).Que ousadia têm aqueles pregadores e cristãos que desprezam o saber teológico, preferindo em seu lugar qualquer outra coisa, como experiencias e emoções! Eles se acham melhores que Cristo? Eles se consideram mais eficazes que o próprio Senhor, a quem dizem servir e amar? Do contrário, não é certo que deveriam seguir Seu exemplo? Como se atrevem a desprezar aquilo que Seu Deus valorizou?

Intimamente relacionado ao que foi dito acima, identifico minha terceira razão para deixar de ser evangélico. Aqui, um boa dose de cautela, pois estarei pisando em terreno perigoso. Inicio meu argumento com uma exemplificação: que dirá um cristão evangélico contra um cristão católico que, por exemplo, acredita em Purgatório? Resposa bem fácil: "A Bíblia não fala nada sobre um Purgatório, meu filho, acorda!". De fato, e não falando, os evangélicos se recusam a se submterem a um dogma extra-bíblico. Sabem o motivo? É que um dos pilares do Evangelicalismo vem direto da Reforma Protestante: o sola scriptura, segundo o qual, nada do que não esteja explicitamente ensinado nas Escrituras possa ser imposto aos crentes. Mas, ironicamente, aqui nasce um problema para os evangélicos de nossos dias: quando se trata de passar suas próprias tradições e práticas pelo crivo das mesmas Escrituras, ele rapidamente se saírão com a excusa de "não julgueis para não serdes julgados", ou qualquer imbecilidade como "cuidado, o cara é ungido Senhor; e não se deve tocar nos ungidos". Santa hipocrisia!

Ainda sobre isto há mais a se dizer: não apenas usamos o Sola Scriptura na balança da hipocrisia, como também o elevamos a um status de ídolo cego e manco. Calvino? Wesley? Spurgeon? Agostinho? Cramer? Confisões de Fé? Livros de Oração Comum? Não precisamos de nada, nem de ninguém, só das Escrituras! Conseguem perceber o desvirtuamento, a falsidade insinuante? Inventamos a idéia de que ter a Bíblia como regra suprema de fé implica na rejeição do que Deus, por Seu Espírito, fez durante séculos de cristianismo! Porém, se alguém ousar questionar o desatino anti-biblico de algum apóstolo moderno, temos resposta rápida e eficaz: "Cuidado com a Letra, abra seu coração para o mover do Espírito!". Nada mais nos interessa, ao menos, nada que tenha acontecido antes do nosso profeta, apóstolo ou bispa preferidos.

Admito, meus queridos, que há gente na Igreja Brasileira que ainda faz jus ao título "evangélico". É possível que os mesmos sintam-se injustiçados com minhas generalizações. Me solidarizo, acreditem. Infelizmente, por mais triste que seja, o termo evangelico perdeu seu valor, não por si mesmo, mas pelo mau cheiro de quem não lhe soube extrair o perfume. E, cá entre nós, nada mais eficaz para despetar um moribundo que uma boa descarga eletrica no peito: ou acorda, ou bate as botas de vez!

De modo que, tomo a liberdade de me definir como "um cristão, a favor do Evangelho, mesmo que precise ir contra os evangélicos". Peraí! Acho que isso é bem Evangélico, com E maiúsculo, não acham?

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Cinema 2012: Titanic 3D

(Titanic 3D, James Cameron, EUA, 1997/2012)


Eu não gosto de filme convertido de 2D para 3D. O processo de conversão quase sempre resulta em uma mistura indigesta de um 3D pra lá de fake em parcos momentos, com domínio quase pleno do 2D. No fim, paga-se mais caro por um "feature" do filme que não existe.

Lembro quando assisti "Up - Altas Aventuras", o primeiro filme com esse novo 3D que lembro ter visto no cinema. E em uma das cenas não resisti e tirei os óculos e lá vi a imagem achatada, sem os borrões típicos que denunciam tratar-se de um filme em 3D.

Foi finalmente com Thor, que me disseram ser uma boa conversão para o 3D "nos créditos finais", que decidi que nunca mais pagaria pra ver um filme convertido em 3D, pelo menos os lançamentos, cujo processo de conversão, em razão da pressa e prazo para se lançar o filme nos cinemas dura em média 3 meses - o que em se tratando de QUALQUER filme, não é nada.

O que nos leva a Titanic. O megasucesso de James Cameron que o colocou sob os holofotes (para o resto dos mortais porque para os cinéfilos ele está sob os holofotes desde 1985), e hoje megaodiado foi relançado aproveitando a onda 3D que assola 9 entre 10 filmes do cinemão hollywoodiano lançados hoje.

Qual a vantagem aqui? Qual a atração de se ver uma conversão destas e não ver um Vingadores, por exemplo, atualmente em cartaz com cópias em 3D?

É simples. Cameron mostrou em 2009 com Avatar que a tecnologia 3D não só poderia ser melhorada como poderia (e deveria) ser usada como mais uma ferramenta narrativa e não apenas como mera muleta para jogar objetos - geralmente pontiagudos - na cara da platéia.

Por isso, quando foi anunciado que Titanic seria relançado em 3D para comemorar os 100 anos da tragédia, pensei "ok, talvez seja a redenção para a conversão do 2D para o 3D", porque o processo inteiro estaria sob supervisão do próprio diretor que é justamente quem nos trouxe a possibilidade de poder curtir o 3D como algo mais do que mera atração estética do filme.

E considerando ainda a imensa decepção que senti com Star Wars Episódio I relançado 2 meses antes - e que representa bem a TRAGÉDIA do que é a conversão do 2D para o 3D (em breve um post - atrasado, é vero - falando sobre isso), fui encarar Titanic com um sentimento misto: esperava a redenção mencionada, mas ainda assim ficava receoso, afinal, gênios também erram, não é tio George?

Enfim, ainda bem que estava enganado e, sim, há esperança para o processo de conversão do 2D para o 3D.

Como Avatar, esta nova versão do Titanic te coloca dentro daquele universo em uma experiência imersiva que só não é mais visceral que o filme dos smurfs de 3 metros de altura por causa das limitações inerentes à conversão (sim, pq a melhor conversão para 3D nunca chegará aos pés de um filme filmado originalmente em 3D). E, neste sentido, revê-lo no cinema após tantos anos (e tendo visto-o diversas vezes em VHS e DVD no decorrer desses anos) foi quase como viver aquela experiência pela primeira vez. Ainda me lembro vividamente como foi assistir ao filme em uma sala lotada no final de 1997. Peguei a última sessão (acho que era 21hs) saindo perto das 2hs da manhã. E me sentia como um sobrevivente do malfadado navio.

Esta sensação se repetiu mês passado e, particularmente, gosto muito quando isto ocorre pois mostra a força que um filme tem em mexer conosco. Ainda mais um filme como este que, fruto de sua época, perigava não sobreviver tão bem como outros do mesmo gênero.

Há alguns anos, lembro-me que em vários comentários que via na internet sobre o filme, o tom era de uma tentativa pífia de fazer uma história de amor realmente relevante, com o filme se apoiando sobre clichês e momentos cheesy, sensação essa amplificada pela música melosa da Celine Dion que hoje, ao que parece, muitos amam odiar.

Bem, penso que o Cameron quis fazer isso mesmo, um filme excessivamente melodramático, não há nada de errado nisso, ao contrário, o filme se assume assim. Contudo, o cara embala isso com um verniz de espetáculo que remete exatamente aos grandes épicos hollywoodianos que sim, também são melodramáticos. E fazer o casal protagonista participar de todo o processo de naufrágio do navio até o último momento, o cineasta coloca o expectador para acompanhar tudo isso de perto, fazendo ele passar pela mesma experiência de tentar sobreviver àquele caos todo.

E, claro, pra completar, tem todo o mito por trás do navio, sendo ele hoje um cemitério aquático a 4km de profundidade, tendo Cameron descido até lá para filmar o navio verdadeiro e apresentar esse material em seu filme ajuda, principalmente depois da divulgação recente de imagens com restos mortais dentro do navio. Muitas pessoas falam não gostar dessas coisas, mas não duvido que pararam pra dar uma espiada nas fotos. Eu dei... =P

Titanic não é um filme complexo, nem quer ser. A bem da verdade é bem simples e essa simplicidade é necessária para que o filme se relacione com o espectador naquilo que realmente interessa: promover um espetáculo visual e emocional por 3 horas e 15 minutos. Cameron atingiu esse objetivo.

Quanto ao 3D, ainda resisto à conversão, mesmo após o sucesso de Cameron aqui, uma vez que entendo que o processo deve ser supervisionado do começo ao fim pelo diretor e demanda TEMPO, coisa de pelo menos UM ANO e não alguns meses como vem sendo feito. Portanto, daqui pra frente só verei alguns poucos filmes, aqueles que é perceptível o envolvimento de gente certa no processo e não como mais uma forma de arrancar dinheiro do imenso público que ainda prefere ver filmes no cinema a baixá-los em seus PCs.

Que os cineastas e, principalmente, os executivos de Hollywood percebam isso e se toquem da ferramenta que têm nas mãos. Ok, sei que estou sonhando um pouco e que mudanças só haverão quando os caras sentirem isso no bolso, mas a esperança é a última que morre. Que venha Star Wars Episódio II em 2013.

5/5 (filme e conversão)

terça-feira, 8 de maio de 2012

Cinema 2012: Os Vingadores

(The Avengers, Joss Whedon, EUA, 2012)

"'Os Vingadores' é o melhor filme que eu já vi na vida..."


"É a melhor adaptação de HQ já feita..."


"Entra fácil na lista de 10 melhores filmes já feitos..."

Estas e tantas outras afirmações eufóricas podem ser encontradas na net nesses últimos dias em referência ao primeiro grande blockbuster do ano de 2012.

Lembro quando Whedon fora anunciado como diretor do filme que uniria quatro dos maiores heróis da MARVEL e pensei "esse cara não tem o cacife pra segurar um projeto desse". Significa que Whedon é ruim? Não. Oriundo de séries de TV justamente em uma época onde seriados estão cada vez mais parecidos (e algumas vezes melhores até) com os filmes de cinema, o diretor poderia trazer uma abordagem diferenciada da linguagem, contudo nunca me pareceu o cara realmente certo a comandar um troço desse tamanho. Assim, pensei comigo mesmo: ou ele afunda este filme - o que me parecia mais provável - ou ele surpreenderia a todos como Bryan Singer fez com X-Men em 2000, Tim Burton fez com Batman em 1989 e, mais distante ainda, Richard Donner fez com Superman em 1978. Não aconteceu nem uma coisa nem outra. E isso não é, necessariamente, um elogio, embora possa sê-lo, em partes.

O filme é entretenimento de primeira, se sobressai diante de tanta porcaria que os estúdios despejam hoje nas salas de cinema - o que não é difícil de se conseguir, diga-se - tem personagens carismáticos e ação de primeira e é superior aos filmes-solo de seus heróis. Qual o problema então?

A MARVEL, a editora que agora virou estúdio de cinema, esperta como é, teceu uma colcha de forma precisa e cirúrgica envolvendo seus personagens e de forma meticulosa, entregou 4 filmes ora bons, ora bem mornos, nunca memoráveis, criando um palco para a sua apresentação principal, este Os Vingadores. Nenhum desses 4 filmes se sustenta bem por si só. Todos eles apontam para Os Vingadores. O leitor consegue entender onde estou querendo chegar, até aqui?

Pois bem, prossigamos.... Livre da obrigação de apresentar cada personagem (cada um teve o seu próprio filme de 2 horas para isso), sua personalidade e conflitos pessoais, Whedon pôde partir para o que realmente interessa: como fazer para reunir figuras tão heterogêneas, arrogantes, cheias de si e de seus feitos, para atuarem em conjunto e protegerem a Terra de uma ameaça alienígena? Como seria o embate de figuras tão egocêntricas? As respostas se encontram em duas ou três cenas, as melhores do filme inteiro, onde nossos heróis faltam só jantarem-se uns aos outros.

"Pô, mas isso é genial não é?" Sim e não. Sim, porque faz bem para um blockbuster deste que se apóia em valores morais bem definidos, com conceitos bem claros de certo e errado, ter, em seus protagonistas, os "mocinhos", situações que colocam o próprio heroísmo deles em cheque. Não, porque infelizmente, isso é o máximo de ousadia narrativa que você verá em Os Vingadores.

"Mas 'ousadia narrativa' (ou o que quer que isto seja) é mesmo necessário?" Penso que em filmes desse tipo sim. É o que separa filmes genéricos de filmes que fazem alguma diferença, apresentam algo de novo. Isto não significa que filmes genéricos sejam ruins e filmes "ousados" sejam necessariamente bons, mas que o segundo tipo provavelmente sobreviverá mais do que o primeiro tipo.

Lembro-me que falei dessa mentalidade fast-food quando comentei sobre Thor e Capitão América no ano passado e isso me veio à mente durante toda a projeção de Os Vingadores. Whedon apenas raspa nas diferenças entre os heróis nunca levando isso às últimas consequências, embora ele tenha dispendido 2/3 do filme justamente expondo isso. E quando ele tem a grande chance de juntar todos os heróis num único propósito, ele o faz por meio de um personagem secundário que só quem DECOROU os 4 filmes solo já mencionados vai lembrar quem é e a sua importância - que não é muita, passando totalmente despercebido pelo público iniciante ou que viu os outros filmes só uma vez - ou seja, 90% da platéia que assistiu e assistirá Os Vingadores.

Esse tipo de postura tem nome que tenho utilizado: "play it safe", ou seja, jogando de forma segura. Whedon pisa com extrema cautela neste universo maluco dos heróis da MARVEL entregando algo que nunca desafia os sentidos da platéia, nunca ousa de forma que o expectador possa dizer "ok, vou sair dessa sessão passado com o que vi acontecer neste filme". Só para terem uma idéia do que quero dizer, lembrem da sequência final de Superman - O Filme ou ainda da sequência final de X-Men 2 ou do embate entre o Batman e a Mulher-Gato no final de Batman - O Retorno. Estes são exemplos de filmes que não enveredaram pelo modo "play it safe". É necessário sacrificar um personagem importante para obter um impacto dramático e desafiar os sentidos da platéia? Então vamos fazer. É isso que diferencia o Joss Whedon de caras como Donner, Singer, Burton e, mais recentemente, Sam Raimi (Homem-Aranha) e Christopher Nolan (Batman Begins e O Cavaleiro das Trevas).

Porque esses heróis sobreviveram até hoje e continuam encantando as gerações? Porque os seus gibis não adotam o "play it safe", arriscando tudo, surtando geral.

No final, Whedon mostrou ser mesmo o cara ideal para comandar o projeto uma vez que, como já dito, ele lança mão de (poucos) momentos onde essa segurança narrativa é jogada no ralo. E neste processo ele cria uma expectativa como quem diz "olha, logo mais vou mostrar algo realmente surpreendente a vocês", mas que nunca rola.

Dizem que é porque ele foi controlado a mão de ferro pela MARVEL. Pô, mas isto é óbvio. Filmes desse porte são concebidos por interesses de executivos mais interessados em arrecadar dinheiro e vender action figures e games do que criar algo que possa ser saboreado pela platéia mas que fique na memória dela. Mas este é também o caso de Christopher Nolan que entregará o próximo Batman daqui a 2 meses e o que você na tela é a visão dele personalíssima e sem concessões, para o bem e para o mal. Este também foi o caso de Bryan Singer que com pouco dinheiro fez X-Men parecer um filme que custou quase o mesmo tanto de Titanic. Também foi o caso de Tim Burton; também foi o caso de Richard Donner. Enfim, o argumento não é desculpa.

Podem dizer também que um filme como Os Vingadores tem mesmo que ser despretensioso e não deve aspirar ser algo "ousado". Eu pergunto: por que não? Porque sempre insistimos nivelar por baixo filmes com potencial de deixarem sua marca registrada na história do cinema? É tão difícil perceber que há filmes cuja premissa os tornam capazes de serem algo mais na história da sétima arte e que há filmes pela mesma razão o melhor mesmo é eles serem "mais um na multidão"? As pessoas que defendem esse ponto de vista precisam compreender que há uma diferença entre exigir ousadia de um filme onde um psicopata mascarado mata adolescentes no acampamento e exigir ousadia de um filme com heróis com personalidades marcantes, que trabalham juntos a contra gosto, e que dessa união cada um veja a sua importância e que dessa união seja demonstrada o verdadeiro heroísmo por baixo da soberba e da arrogância - como bem mostra a sequência final com o Homem de Ferro que, por causa do maldito "play it safe" começa de forma absurdamente linda e termina de forma bem blé.

Dito isto, Os Vingadores é um filmaço porque entrega um pouco mais de inteligência do que a média dos filmes desse tipo e um pouco decepcionante por não se arriscar muito quando poderia tê-lo feito. Falta a Os Vingadores um pouco da personalidade de Tony Stark, mas o que fica mesmo ao final da projeção é uma subserviência a um formato de cinema que não tem questionamento, apenas obediência, postura típica do Capitão América. Quem sabe numa sequência o filme ouse entrar naquela sala como o Steve Rogers fez quando confrontado, e descubra qual é realmente o seu propósito e digo desde já: não é só entreter a platéia. Isso seria nos subestimar ao extremo.

4/5



sexta-feira, 4 de maio de 2012

O Pecado na era Pós-cristã


Ariovaldo Ramos


Num desses dias, alguém me perguntou como se deve proceder quando em pecado. Respondi o óbvio: arrepender-se. A pessoa contestou dizendo que o pecador também é vítima e precisa ser entendido como tal.

Essa me parece ser a discussão dos dias correntes: pecador ou vítima?

A Bíblia reconhece que qualquer pessoa pode ser vítima do pecado de alguém ou mesmo da conjuntura social, ou da estrutura politico-econômico-social, porém, não entende que isso possa justificar qualquer ato pecaminoso. Para a Bíblia todo ser humano é sujeito da e na história, principalmente, de sua história. Todos são pessoalmente responsáveis, ainda que possa haver atenuantes ou agravantes.

Para a Escritura Sagrada o que se pede do pecador é que se arrependa, isto é, que assuma o seu erro e a sua responsabilidade. Arrepender-se é aceitar a punição da lei. Um pecador arrependido é aquele que admite merecer a punição que a Lei de Deus prescreve para ele. Que, em última instância, é a morte: “A alma que pecar, morrerá” (Ez 18.4).

O Novo Testamento, entretanto, nos ensina que todo o pecador que se arrepender, isto é, todo o que admitir e confessar o seu pecado será por Deus perdoado, como ensina o apóstolo João (1 Jo 1.9). E, por ser perdoado por Deus, deve ser perdoado pelo ser humano a quem ofendeu. Entretanto, o pecador não tem como exigir o ser perdoado. O pecador pede perdão, mas, não o exige; pelo simples fato de que perdão não é um direito do pecador, é uma benesse do ofendido. Porque perdão é graça.

É verdade que o cristão não tem como não perdoar (Mt 6.12). Contudo, essa é uma questão entre a vítima e Deus. Além disso, o pecador não tem o direito de reclamar do sofrimento de que foi acometido como consequência de seus atos - no relacionamento ofensor e ofendido (isso não justifica o ofendido, caso sua reação seja pecaminosa). É a lei da semeadura: “Semeia-se vento, colhe-se tempestade” (Os 8.7). E é preciso que se diga que, por pior que seja o sofrimento que o pecado venha a provocar sobre o pecador, ainda é menor do que o Inferno ao qual ele fez jus.

Todo o que confessa o seu pecado será perdoado e restaurado por Deus (1 Jo 1.9). Porém, confessar é assumir a responsabilidade e admitir a justiça da punição pelo que fez. Ainda que a punição não virá pelo fato de já ter sido sofrida por Cristo.


Nesta época tal reflexão está se tornando impensável: porque vivemos numa era de vítimas. Hoje, não importa o erro que a pessoa cometa, ela é sempre vítima: seja da sociedade, seja da história, seja da economia, seja da política, seja das instituições, seja da família. Ninguém é culpado. Logo, como alguém disse: é uma época em que ninguém assume a responsabilidade, nem adia prazeres e nem se presta a sacrifícios.

Essa época é pós-cristã não porque não se fale mais de Deus (pelo contrário, provavelmente, poucas vezes na história se falou tanto de Deus), mas, porque não se fala e nem mais se admite a realidade do pecado. Esta é uma era onde não há mais pecadores, só há enfermos. É o auge do humanismo: o pressuposto de que o ser humano é intrinsecamente bom venceu; e, ora, gente intrinsecamente boa não peca, adoece. E doentes são vítimas.

O que ainda não se percebeu nesta presente época é que doentes não podem ser perdoados. Só pecadores podem ser perdoados. Logo, só pecadores podem ser restaurados; só pecadores podem ser tornados puros de toda a injustiça que cometeram. O que será dos que estão prontos para assumir que estão enfermos, mas, jamais que são pecadores? A probabilidade maior é a de continuar pecando cada vez mais e pior, contraindo, aí sim, uma doença para a qual não há cura: a voracidade de ser aceito de qualquer jeito, por julgar ter o direito de ser de jeito qualquer. Essa enfermidade coloca a pessoa a deriva dos mais grotescos apetites, tornando-a escrava dos instintos, que se tornarão cada vez mais irresistíveis. É a escravidão do pecado (Jo 8.34). E disso só se escapa quando, finalmente, a todos os pulmões o pecador confessa: “Minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa”.

***NOTA PESSOAL: Texto absolutamente genial e oportuno para os tempos em que vivemos onde se perdeu o referencial. Faço apenas um adendo: enquanto a pessoa focalizar no fato de que ela é pecadora, há esperança, pq Deus trata pecado e o pecador. Agora se a pessoa veste a roupa de "vítima", a esperança morre. Deus não tem o que tratar com quem não reconhece que é pecador.