Ariovaldo Ramos
Num desses dias, alguém me perguntou como se deve proceder
quando em pecado. Respondi o óbvio: arrepender-se. A pessoa contestou dizendo
que o pecador também é vítima e precisa ser entendido como tal.
Essa me parece ser a discussão dos dias correntes: pecador
ou vítima?
A Bíblia reconhece que qualquer pessoa pode ser vítima do
pecado de alguém ou mesmo da conjuntura social, ou da estrutura
politico-econômico-social, porém, não entende que isso possa justificar
qualquer ato pecaminoso. Para a Bíblia todo ser humano é sujeito da e na
história, principalmente, de sua história. Todos são pessoalmente responsáveis,
ainda que possa haver atenuantes ou agravantes.
Para a Escritura Sagrada o que se pede do pecador é que se
arrependa, isto é, que assuma o seu erro e a sua responsabilidade.
Arrepender-se é aceitar a punição da lei. Um pecador arrependido é aquele que
admite merecer a punição que a Lei de Deus prescreve para ele. Que, em última
instância, é a morte: “A alma que pecar, morrerá” (Ez 18.4).
O Novo Testamento, entretanto, nos ensina que todo o pecador
que se arrepender, isto é, todo o que admitir e confessar o seu pecado será por
Deus perdoado, como ensina o apóstolo João (1 Jo 1.9). E, por ser perdoado por
Deus, deve ser perdoado pelo ser humano a quem ofendeu. Entretanto, o pecador
não tem como exigir o ser perdoado. O pecador pede perdão, mas, não o exige;
pelo simples fato de que perdão não é um direito do pecador, é uma benesse do
ofendido. Porque perdão é graça.
É verdade que o cristão não tem como não perdoar (Mt 6.12).
Contudo, essa é uma questão entre a vítima e Deus. Além disso, o pecador não
tem o direito de reclamar do sofrimento de que foi acometido como consequência
de seus atos - no relacionamento ofensor e ofendido (isso não justifica o
ofendido, caso sua reação seja pecaminosa). É a lei da semeadura: “Semeia-se
vento, colhe-se tempestade” (Os 8.7). E é preciso que se diga que, por pior que
seja o sofrimento que o pecado venha a provocar sobre o pecador, ainda é menor
do que o Inferno ao qual ele fez jus.
Todo o que confessa o seu pecado será perdoado e restaurado
por Deus (1 Jo 1.9). Porém, confessar é assumir a responsabilidade e admitir a
justiça da punição pelo que fez. Ainda que a punição não virá pelo fato de já
ter sido sofrida por Cristo.
Nesta época tal reflexão está se tornando impensável: porque vivemos numa era de vítimas. Hoje, não importa o erro que a pessoa cometa, ela é sempre vítima: seja da sociedade, seja da história, seja da economia, seja da política, seja das instituições, seja da família. Ninguém é culpado. Logo, como alguém disse: é uma época em que ninguém assume a responsabilidade, nem adia prazeres e nem se presta a sacrifícios.
Essa época é pós-cristã não porque não se fale mais de Deus
(pelo contrário, provavelmente, poucas vezes na história se falou tanto de
Deus), mas, porque não se fala e nem mais se admite a realidade do pecado. Esta
é uma era onde não há mais pecadores, só há enfermos. É o auge do humanismo: o
pressuposto de que o ser humano é intrinsecamente bom venceu; e, ora, gente
intrinsecamente boa não peca, adoece. E doentes são vítimas.
O que ainda não se percebeu nesta presente época é que
doentes não podem ser perdoados. Só pecadores podem ser perdoados. Logo, só
pecadores podem ser restaurados; só pecadores podem ser tornados puros de toda
a injustiça que cometeram. O que será dos que estão prontos para assumir que
estão enfermos, mas, jamais que são pecadores? A probabilidade maior é a de
continuar pecando cada vez mais e pior, contraindo, aí sim, uma doença para a
qual não há cura: a voracidade de ser aceito de qualquer jeito, por julgar ter
o direito de ser de jeito qualquer. Essa enfermidade coloca a pessoa a deriva
dos mais grotescos apetites, tornando-a escrava dos instintos, que se tornarão
cada vez mais irresistíveis. É a escravidão do pecado (Jo 8.34). E disso só se
escapa quando, finalmente, a todos os pulmões o pecador confessa: “Minha culpa,
minha culpa, minha máxima culpa”.
***NOTA PESSOAL: Texto absolutamente genial e oportuno para
os tempos em que vivemos onde se perdeu o referencial. Faço apenas um adendo:
enquanto a pessoa focalizar no fato de que ela é pecadora, há esperança, pq
Deus trata pecado e o pecador. Agora se a pessoa veste a roupa de
"vítima", a esperança morre. Deus não tem o que tratar com quem não
reconhece que é pecador.
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